quarta-feira, 4 de maio de 2011

"Um embrião de larvas que nos desloca a mente". Não tenho direito a raciocinar vai para semana e meia. Porquê? Não consigo explicar caro leitor, é mesmo disso que se trata. Penso em árvores às vezes, outras vezes chego a pensar em facas bem afiadas. O resultado é sempre o mesmo: nulidade. Sempre tive a mente em grande consideração, embora ela nunca desse grande coisa por e para mim. Sem ressentimentos. A minha parece fugir de mim cada vez com mais velocidade, tenho medo de não a conseguir apanhar de vez. Ao que aparenta, sou aficcionado por insectos (coisas lá da psicologia). Eles são a minha forma disfarçada de ver o mundo. Animais (eu não os considerava como tal) sem ossos, maioritariamente esverdeados ou escuros que voam e fazem "zzz" ou uma onomatopeia qualquer parecida. Não gosto deles, mas segundo uma doutora qualquer, de canudo afixado numa parede bêge, sou fã. Adoro os bichos. Quem terá razão agora? O que será, aliás, a razão?

Segundo esta fantástica doutora da razão, tenho também grandes dificuldades em discernir a realidade da não-realidade. E é aqui que chego ao que quero. O que é, de facto, a realidade? São as pedras, as grades, as casas, os cães, os portões, os senhores Zé, as passadeiras, as dores, os passos? É isso a realidade? Por favor, nem tu, nem eu, nem o senhor Zé fazemos a mais pequena ideia do que é a realidade. Porque ela não existe leitor! A realidade é uma ficção generalizada, para dar menos trabalho. É um corporativismo criado desde sempre para nos adaptar-mos uns aos outros como se de iguais nos tratássemos. Duas coisas: não somos iguais, nem queremos ser. Podemos ter aspectos em comum, como ter unhas ou gostar do som de violinos. Mas somos tão ou mais diferentes do que eu próprio e um cão. Ou se calhar não, até somos perfeitamente simétricos e homogéneos. O que é que eu sei disto afinal? Zero, nada, nulidade. Esta é a realidade (pelo menos a minha), nós não fazemos a miníma idéia do que somos, do que queremos e até do que fazemos. Vamos sendo o que nos convém, ou o que nos parece melhor. Vamos querendo o que os outros querem, porque temos de competir. E vamos fazendo por não desiludir a imagem que temos do ideal. Que não é ideal nenhum, porque nunca se atinge, e nem sequer nos deixa felizes. É esta a nossa concepção de existência, uma obsessão aqui e ali, uma conversa sobre o que lemos no jornal, roupa de algodão porque é "tão confortável", copiar o que alguém já copiou de alguém que já copiou de alguém que já copiou de alguém porque assim é que funciona, com o intuito de ficarmos "realizados". A realização é seguidora da realidade. Não a há.

domingo, 6 de março de 2011

De quem é esta mão fria?

Se eu vos pudesse avisar de algo como meu último desejo, mas estou presa e os meus olhos estão em sangue, a minha laringe muda de seca diria para confiarem no primeiro medo cobarde de instinto.
Deixei cair os sacos no supermercado, o senhor entediou-me com a sua conversa sobre se eu não era a filhinha dum outro qualquer, eu disse que não, não, ele estava a confundir, e agradeci a sua gentileza de cavalheiro nos seus quarenta em me ajudar com as compras. A pele do meu pescoço arrepiava-se com o frio desta noite de inverno, e ele, que continuava a andar ao meu passo, reparou nisso com um sorriso que me pareceu de escárnio, superioridade, diversão. Sim, estou cheia de frio, contei ao Sr.Normal, enquanto a minha pele de galinha se alastrava paralelamente ao meu sentimento de ser a boba, ele o rei, e nós os dois os únicos seres no parque de estacionamento. Já íamos longe no passeio quando me puxou pelo rabo de cavalo para o a bagageira do jipe dele, que já me esperava. Gritei como podia para me largar, e dois rapazes que estavam a sair lá ao fundo pararam a olhar para mim, a conversa deles foi
olha a gaja a ser puxada,
devíamos ir lá?,
e o meu raptor disse-lhes bem alto Está tudo bem, é minha irmã, está a fazer birrinha, e com o seu sorriso agora riso nervosinho mal contido fechou a porta em mim, bateu rapidamente com a minha cara no porta-bagagens umas cinco vezes em dois segundos até eu ficar quase inconsciente e a cara em polpa de cara e arrancou para o meu lugar nesta vida. Lembro-me de pararmos num semáforo e reparar em dois pássaros, um a voar freneticamente e outro a tentar desesperadamente. Uma menina com os seus cinco anos aproximou-se, olhou para o pássaro e disse Que pássaro lindo, és um pássaro lindo. Antes do carro arrancar vejo a rapariga esmagá-lo repetidamente até ficarem só pedaços, a tapá-lo pragmaticamente com terra e a correr para a multidão como se nada fosse. Antes de tudo acabar pensei

Quantas destas é que existem?




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É melhor olhares rapidamente quando ouves aquele estalido suspeito que pensas ser da casa. Digo-te que foi também o que ela pensou, e embora logicamente olhar não salve nem um nem outro, ao menos aproveitas o presságio. Ela, por exemplo, quando olhou viu as velhas e longínquas luzes laranja na janela negra, e descartou-as como sendo pirilampos, até à noite em que descobriu as minhas beatas nesse lugar em vez das bolinhas que brincavam com as suas noites antes de adormecer.
Senti a sua respiração lenta, tremida. Foi lá, apanhou uma e saltou que nem um pirilampo verdadeiro quando a cumprimentei ao ouvido esquerdo com o meu famoso

boa noite, cabrita favorita.

E o telemóvel caiu, e tive que o apanhar, ela gemeu e tive que a calar, e tudo isto quando só tenho duas mãos e um taco e um lenço e ela sem se acalmar até a apertar com mais força. E tive de telefonar ao "Pai" na sua lista de contactos e com tristeza dizer-lhe Diga para ela não me obrigar a fazê-lo, eu não quero fazê-lo, e ele ouviu a voz dela a chorar de maneira ridícula por favor, senhor, não me magoe, e depois chorou também de maneira ridícula, desliguei. Já tinham passado dez anos desde a voltinha de carro, não sei se me reconhecia, mas ainda a consegui assustar. E agora com vinte e um ela estava mais senhora para mim. Juntei o cartão dela à das outras treze cabritas. Agora estou sem tempo, mas deixo-vos um recado: os pressentimentos, os receios, os olhos na estrada escura, todos eles contam a verdade que só tem valor quando a ignoras. Mas só sabe isto quem já não pode falar, além de mim, claro.

 
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