sábado, 17 de janeiro de 2009

Adeus fase decadente

Não falo com ninguém há demasiado tempo. Instintivamente, começo a reparar nos silêncios que me envolvem. O silêncio do vento que duvida de mim, da indiferença da casa quando vagabundeio por ela e pedincho um olhar nos olhos às cómodas e abro portas varandas e armários à procura de pessoas
- Dá uma moedinha?
do teclado que me critica ao som de cada letra escrita em solidão, dos pilares que suportam com cuidado a rede onde repousam os feijões-verdes , para que nenhum repouso me caia em cima enquanto olho o silêncio morto dos arbustos e o colossal horizonte deserto que me tem aversão e se afasta, como se não estivesse já suficientemente longe.
Sem querer misturo o dia com a noite sem haver quem me convença de que é uma futilidade como as cores do céu que os diferencia. Deito-me suprimido às três da tarde e saio confiante para o dia às onze da noite, chamam-me vadio e estouvado mas não ligo. Se vou para o quarto e fecho os estores mudo o tempo do mundo, chego em momentos a uma daquelas horas em que simplesmente acordámos, frente a frente com o silêncio ventoso a intrometer-se para nos examinar
- Uma emboscada
surpreendo-me, foi porque me cheiraram fraco, e penso que quem me diz que o silêncio é a calma não tem o hábito de estar sozinho com a péssima companhia dos seus pensamentos durante muito tempo. O silêncio que conheço é a consciência cada vez mais louca.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Essa dor não existe (Tu isso sabes, não sabes?) - Nuno Prata

Dessa dor só te lembras
nas alturas em que inventas
vãos motivos para sofrer
Essa dor não a trazes
essa dor só a usas quando
queres fingir que não sabes rir

Essa dor não existe
essa dor nunca sentiste
essa dor não a tens
(tu isso sabes, não sabes?)

Essa dor não te serve
essa dor só a vestes quando
já não tens mais nada a dizer
Essa dor dá-te jeito
essa dor é perfeita para
termos todos pena de ti

Essa dor não é nada
essa dor só acaba
com o que ainda resta de ti
(mas isso sabes, não sabes?)

Porque é que dela precisas?
Será mesmo que acreditas que
o que não foi é aquilo que hoje te rói?
Não te maces, não te canses. Não te mates
pois outros homens virão
fazer de ti o que eles são

Essa dor não é tua
acho que a achaste na rua
ingrato resto de alguém

Essa dor não é nada
essa dor só acaba
com o que ainda resta de ti

Essa dor não existe
essa dor nunca sentiste
por isso sabe-te bem
(isso tu sabes que eu sei)

Nuno Prata
 
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