quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

R2

Ele – Como faz falta… - ao que ela inusitadamente interrompe, bruta – Quero fogo, quero sangue, quero raiva! – Ele lá continua – …o fumo seco a cheirar a fumo seco, gente familiar à vista desde os cinco… – Quero luta, quero ter fome até aos pulmões! Gritar até estoirar as cordas, matar ou ser morta! – E ele sem tomar atenção continuava - …o abraço e o colo, sorrisos e bofetadas e as persianas puxadas todas até cima… – ela rude e em pranto histérico – Diz o que quiseres à polícia, expulsa-me ou viola-me, corta-me até não sentir. E o vosso pobre e velho narrador que já só escreve para tentar reviver outrora quando gostava de escrever, assiste a toda esta dialéctica, pasmo. E ele -...dos portões pequenos e coisinhas feitas de pedra, ser grande ao pé dos grandes… - Por favor, dá-me tecto que eu piso-o, espadas que eu esventro-as, dá-mo algo e eu agarro-me! - …como faz falta não perceber e não haver problema, estar bem com o que não se explica…- Dá-me ferro p’ra espancar, quero esticar até partir, pensar p’ra não sentir! – e ele já exausto - …como faz falta um candeeiro ou uma estante – ela morta de sentir, com os seus olhos a latejarem já nem consegue gritar – Só quero…deixar de querer – ele olha-a, abraçando-a murmura -…como faz falta nada fazer falta.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Triste Metáfora Sem Conteúdo Intelectual

Está frio como os azulejos. E o frio está sempre a chocar contra ti, bem decidido. Tu pouco mais podes fazer do que pôr a tua deprimência a agasalhar-te, não queres ficar sem condizer com o tempo. E o frio tem tanto frio dele que se agasalha em ti. Quem começou isto fui eu, o tempo depois é que foi atrás. Enfim, não há muito de poético no gelo em forma de ar (que acredito estar violar as leis da física ou da química) a petrificar o pouco do sangue que tinhas guardado do calor para andar este Inverno. Em casa o ar é pior ainda. Só que pelo menos não me molho. A chuva! A chuva é outra, que anda aí para nos dizer o quão sensíveis somos (andamos sempre a escondê-lo). Basta uma pinga para mudar-mos a pressa ou a conversa - olha! caiu-me um pingo - e a mim que me importa se foi a ti que caiu um simples pinguinho, picuinhas (havia de ser a mim que já estava a chorar, mas isso não conto eu) - olha! outro pingo, está a chover! - se não estiveres numa banheira é a conclusão mais provável, corre, corre! De qualquer maneira as conversas sobre o tempo são sempre as mais enfadonhas. Deve haver uma forma de escapar a isto e pelo menos aquecer as mãos por um minuto, um minuto que seja. Só que eles não a dizem. Os que estão a gostar. Esses não apanham o grizo, nem as frieiras que a mim me agarram a rodos. Esses não chegam desertos para chegar outra vez. Chegam quando chegam e vão pra voltar pouco. Os que estão a gostar. Eu hei-de gostar, mas os azulejos até no calor são frios. Mas, nessa altura sabe bem encostar-me a eles.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Não tenho tempo para títulos inúteis

Acordo a pensar no projecto. Adormeço com o projecto a pensar em mim. Não me lembro do que sonho, acho que não durmo realmente. Volto a acordar ("mas o que é isto que acabei de fazer?"), faço apenas o essencial para que possa trabalhar: uma lavagem de cara para acordar realmente, comer para ter forças e, enquanto engulo, trabalho. Trabalho trabalho trabalho. All work and no play makes Jack a dull boy. A meio do respiranço, trabalho, e não inspiro completamente porque tenho trabalho em cima da barriga. Empenho! Vou almoçar rapidamente, fast-food e fast-eat, porque trabalho. Não tenho tempo para ti para mim ou para a janela, nem sequer para escrever trabalho, porque trabalho. Não tenho liberdade de expressão, não posso, se pudesse também sorria. Mas também não me zango. Sei exactamente o que vou fazer durante este dia inteiro: vou trabalhar. Vou estar a trabalhar, e a meio vou ter um intervalo para poder fazer umas lidas, uns biscates . Por gosto. Desde o meu despertar que nunca páro, estou sempre à pressa, não existo. E quando ninguém está a ver, dou prá veia.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Por: Vargas

Sento-me porque sentir de pé dói mais. Sento-me e olho para as paredes que quietas não tem mais nada para me oferecer que não os meus próprios pensamentos. Eu costumo sentir enquanto penso. Corrigindo, costumo sentir-me mal enquanto penso. Seja lá consciente, inconsciente, subconsciente, não sei quê, o facto é que me provoca dor. Levanto-me (escrever não vai adiantar) porque levantado posso esmurrar melhor a mesa de madeira que não se aleija com o meu sofrimento fisicamente exposto a ela neste momento. Calhando sou dos acabrunhados e não arranjo uma saída melhor que o pensar, que é tão seguro e na pior das hipóteses magoa a minha mão (e não a mesa de madeira) que vai ficando vermelha por causa da violência cobarde de bater em objectos inanimados. Talvez eu só pense que me sinto mal. Com sorte eu não sinto nada e é só o cérebro condutor de explosões que me prega estas partidas. A mim, às paredes e à mesa de madeira. Sento-me porque estou exausto. É difícil decidir se é egoísmo ou altruísmo estar apenas e só subordinado aos meus sentimentos pensados que rara a vez conto ao papel. Não prejudico ninguém (exceptuando a minha pessoa), é facto, mas acabo por não beneficiar alguém sequer também. Vou-me considerando um herpes humano que já não está sentado nem em pé, que não luta porque não sabe como se faz, que se lamenta porque é o melhor que consegue. Não sou mártir nem vítima, não sou exemplo ou explicação. Sou fraco, e hoje admito-o.





Texto escrito e gentilmente cedido por Vargas do Bangladesh

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Roberto

Na sua jaula, ponderava com inúmeros cuidados e repensares: como seria morrer num acidente de avião? Imaginou um pobre coitado no seu último punhado de tempo, desesperadamente consciente de que o que agarra e se lhe escapa é tudo o que mais alguma vez terá. O resto já se lhe escapou antes. As emoções todas retesadas embatem-lhe à velocidade do avião, o suor lugubremente frio escorre-lhe por todo o seu comprimento a medir uma altura de humano... Se quiser correr, nesse momento só pelo corredor e contra a porta da cabine. Fingir ser corajoso, agora que está pobre de tudo? Tudo o que tinha para sacrificar despedaçar-se-ia contra o chão, final, presente e futuro ao mesmo tempo. Sentado, teria que calmamente aceitar o seu dest

- QUATRO EUROS?

Teve de interromper o seu capricho intelectual por momentos quando a senhora abriu a sua cela suja e o trocou a outra, ainda mais velha, por uns trocos. Coisas da vida. Revoltado e agarrado pelo cachaço, nem se conseguia concentrar com decência! Contou as pedras da calçada no caminho para ir passando o tempo. Contou noventa e duas.

- Oh Matilde onde é que vais com ele? Não o segures assim, que vai tão mal
- Olha vai melhor que eu, vai de boleia!

Realmente tinha estado o tempo todo a engasgar-se no balouçar bruto, esforçando-se para respirar como alguém que não sabe nadar e tenta vir acima. Além disso a senhora nem sequer lhe falara durante o percurso (extremamente mal-educada!), não lhe dissera para onde iam nem porquê. Andava já mal, como andam as senhoras velhas para o estilo, uma vez que não podem andar novas. Havia algo nos seus braços fixos que tinha a ver com o não ter companhia há tempo suficiente para criar outro filho e dele receber mais netinhos nojentos. Tinha um óptimo sentido de humor, negro.
Chegaram a uma vivenda, decaída, onde o cadáver de uma mesa de plástico branca e os seus fungos assassinos se arrepiavam com o vento frio que habitava no pátio. Três rapazes, um deles muito pálido, logo o olharam com uma curiosidade que lhe pareceu sinistramente excessiva. Disse um, um pouco sério

- Hey, deixa tocar-lhe! É mesmo bonito…
- Não, vou agora matá-lo e vamos comê-lo ao jantar.
- Fkiiiik

Guinchou, abriu os olhos para as outras pessoas, apeteceu-lhe vomitar a surpresa. Matá-lo, comê-lo ao jantar? Guinou a cabeça para todos os lados ao mesmo tempo que corria, sem saber, em direcção ao muro, os olhos nem viam, estava apenas com a ideia na cabeça, pelos vistos estava tudo doido e nada fazia sentido e

- Agarrem-no!

Apanharam-no facilmente, coitado. Era só tremuras. Mexeu o nariz - era o seu tique nervoso. Um dos garotos fez uma apertada argola com os dedos à volta do seu pescoço...

- É mesmo frágil

e realmente bastava um descuido. Os três miúdos olhavam-lhe e tentavam não apenas fingir a pena, mas era impossível. No fundo estavam entretidos com a desgraça alheia, nada de estranho. Ao mesmo tempo que um dizia

- Oh avó não o mates…

os três rodeavam-no e apreciavam sarcasticamente aquele pêlo ora vivo, ora morto, uma questão de tempo. Algo neles parecia querer germinar enquanto o olhavam, mas não conseguiam entender bem o quê. Encontravam-se perante um defunto adiado, era bem melhor do que um filme: podiam tocar e ver de todos os ângulos (“então é assim…”). E no entanto o fascínio não era físico. Aliás, à medida que aquele tempo desconfortável se arrastava os miúdos achavam cada vez menos piada... ele não parava de lhes olhar. Aqueles olhos pareciam a um os de uma rapariga, a outro lembravam-lhe os seus. Para o terceiro não eram olhos.

- Vou matá-lo com uma cacetada na nuca. Tenho ali um rolo da massa numa gaveta da cozinha, querem ir ver?

Queres ir ver? Teve tempo de exprimir o seu estado de espírito em forma de caganitas, nas escadas para a cozinha. Não era bem isto que imaginara em miúdo que ele próprio iria ser e era isso que o entristecia a esta hora (entre outras coisas). Parecia-lhe agora tudo tão enjoadamente rápido e real que o resto da sua vida poderia ser considerado um sonhozito aguado. Já estava a ver as gavetas! E não pensou, apenas sentiu durante uns segundos, depois de a velha lhe ter torcido a perna para cima por sadismo e para o poder deixar no balcão sem a preocupação de que ele tivesse um pensamento tão mundano como tentar fugir. Chorou para o chão - lágrimas de animal. Uma frase estúpida como “não me senti feliz”. E pensou finalmente, com o focinho a dar para o mármore frio, que nada pode ser prometido e muito menos tem de fazer algum sentido. Não iria haver nenhuma “paz” a aceitar, presumia, se não a tinha ainda cheirado em vida. Mexeu o nariz outra vez, talvez para ter a certeza. Teve bastante sorte em ter tempo para divagar isso antes de a velha lhe abrir o crânio espectacularmente, um fogo-de-artifício doméstico feito de ossos de coelho, sangue muito belo desenhando linhas e bolinhas pelo seu rosto, pelo branco arrancado interessantemente à mão da pele que lhe pertencia, e lá fora mais um dia e miúdos em baixo com uma ainda ligeira sensação do que é uma vida e de que são apenas coelhinhos em casa de velhas.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Errado dia

Errado dia, a vaca chinesa decide levantar-se da sua posição provando assim a si própria que pesava mais que uma gorda de toneladas. Já nessa equivocada manhã tinha mascado uns quantos montinhos de erva. Já no certo dia anterior tinha mascado uns quantos montinhos de erva, mas sem se mexer. Desde que me lembro da vaca chinesa, sempre a vi de volta da verdinha rejubilando-se ainda sem fazer a digestão. Nesse errado dia a vaca chinesa tinha, finalmente, decidido levantar toda a sua presuntice. Oh! E que bela vaca que era, a minha vaca chinesa emigrante. Provinha das mais abastadas porcas familias de vacas da India. E, de facto, tinha o seu “je ne sais quois” de sagrado, isso ninguém vivo poderá negar. O seu pêlo ( na verdade não sei se era pêlo, eu adoro imaginar, no meu fetichismo, que sim) negro, preto, escuro, claro, branco. Branco, não o branco poético que gostamos de imaginar dos algodões limpos, não. O branco real, o das paredes velhas que julgo ser bem mais excitante. Era linda sem se levantar, toda a sua quietude a mastigar sensações. Nesse dia levantou-se. Os seus olhinhos inocentes dispostos na horizontal(que na minha ignorância chamava de olhinhos chineses) fixaram o horizonte (porque olhos horizontais nunca iriam fixar o vertizonte) e foi aí que realizei em mim mesmo que ela decidira levantar-se para andar. A tenra vaquinha decidira andar. Quase não conseguia aguentar, mas toda a minha força e coragem que existe ou já existiu paira não sei bem onde, talvez no corpo da bovina que decidira mexer quase todas as suas entranhas musculares, para andar. Ela estava nesse momento a dois metros do que costumava estar, e eu quase sem aguentar, sentado a doer-me. Três metros, eu de rastos. Já mal avistava a minha, a doce, a minha doce vaquinha e decidi tentar tomar alguma coisa semelhante à coragem dos cobardes. Levantei-me também eu mas não como a vaquinha, eu costumava levantar-me, se bem que nunca assim. Costumava levantar-me para me ir sentar noutro lado. Desta vez apressei o passo (como se apressa o passo para não cumprimentar os indesejados) e a vaquinha sempre na minha mira voyeurista que já nem podia de raiva (mas da inofensiva). Ela continuava, tranquilamente decidida, e dirigia-se à cidade (que tinha luzes amarelas,verdes,vermelhas,frias e quentes) com as suas patitas, almofadas suaves lindas, já a ganharem andamento de marcha. Mesmo à entrada da cidade (que tinha muitas coisas de metal cinzento a deitar fumo e objectos flutuantes que se deslocavam tão depressa como os tiros) estava pousada uma casa onde ela parou, escolheu uma bonita casa para parar, é verdade. Uma casa com telhado preto (sempre gostei mais delas assim) de duas assoalhadas e com um adorável puxador de ouro cravado na porta principal.Mas ela não olhava para nada disso. Ela fitava a chaminé, uma bela chaminé feita de pedra trabalhada à mão (fica sempre melhor dizer que é à mão não é?) que não deitava fumo nem fogo. Entre toda a sua calma e as minhas aflições a porta acabou por se abrir através da rotação melodiosa do dourado puxador – Não me parece certo! – e eu a olhar para o senhor que rodava puxadores e que se vestia como os da televisão a pensar se ele teria ou não discernimento para saber o que parecia certo – Não, isto não está mesmo certo! – e a minha suave e querida vaquinha com os beiços a estenderem tristes com a pouca hospitalidade do senhor (que tinha bigode, recordo agora) – O que não está certo tem de ser morto! – e eu que perdia sempre a coragem ao ver armas! – Pum! – e a vaca que segundos antes do – Pum! – olhara para mim em choro de despedida embora com alguma desilusão nos seus olhos dada a minha escassa coragem (inexistente, admito agora) – Já acabei com o errado – fechando assim a porta por trás do seu bigode que sorria mais que a boca e á frente das minhas lágrimas (egoístas, é certo) que derramavam pela minha doce vaquinha chinesa que nunca mais se iria levantar.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Adeus fase decadente

Não falo com ninguém há demasiado tempo. Instintivamente, começo a reparar nos silêncios que me envolvem. O silêncio do vento que duvida de mim, da indiferença da casa quando vagabundeio por ela e pedincho um olhar nos olhos às cómodas e abro portas varandas e armários à procura de pessoas
- Dá uma moedinha?
do teclado que me critica ao som de cada letra escrita em solidão, dos pilares que suportam com cuidado a rede onde repousam os feijões-verdes , para que nenhum repouso me caia em cima enquanto olho o silêncio morto dos arbustos e o colossal horizonte deserto que me tem aversão e se afasta, como se não estivesse já suficientemente longe.
Sem querer misturo o dia com a noite sem haver quem me convença de que é uma futilidade como as cores do céu que os diferencia. Deito-me suprimido às três da tarde e saio confiante para o dia às onze da noite, chamam-me vadio e estouvado mas não ligo. Se vou para o quarto e fecho os estores mudo o tempo do mundo, chego em momentos a uma daquelas horas em que simplesmente acordámos, frente a frente com o silêncio ventoso a intrometer-se para nos examinar
- Uma emboscada
surpreendo-me, foi porque me cheiraram fraco, e penso que quem me diz que o silêncio é a calma não tem o hábito de estar sozinho com a péssima companhia dos seus pensamentos durante muito tempo. O silêncio que conheço é a consciência cada vez mais louca.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Essa dor não existe (Tu isso sabes, não sabes?) - Nuno Prata

Dessa dor só te lembras
nas alturas em que inventas
vãos motivos para sofrer
Essa dor não a trazes
essa dor só a usas quando
queres fingir que não sabes rir

Essa dor não existe
essa dor nunca sentiste
essa dor não a tens
(tu isso sabes, não sabes?)

Essa dor não te serve
essa dor só a vestes quando
já não tens mais nada a dizer
Essa dor dá-te jeito
essa dor é perfeita para
termos todos pena de ti

Essa dor não é nada
essa dor só acaba
com o que ainda resta de ti
(mas isso sabes, não sabes?)

Porque é que dela precisas?
Será mesmo que acreditas que
o que não foi é aquilo que hoje te rói?
Não te maces, não te canses. Não te mates
pois outros homens virão
fazer de ti o que eles são

Essa dor não é tua
acho que a achaste na rua
ingrato resto de alguém

Essa dor não é nada
essa dor só acaba
com o que ainda resta de ti

Essa dor não existe
essa dor nunca sentiste
por isso sabe-te bem
(isso tu sabes que eu sei)

Nuno Prata
 
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