domingo, 28 de dezembro de 2008

Chatterton

Ás vezes sonho estripar alguém. Sonho. Não me aborrece nada o facto de degolar e esventrar seres humanos, pelo menos uma vez. Velho inúteis ou gente importante, sei lá, alguém. O sangue é bonito, é um facto. O sangue é vivo, é por isso. Imagino bem o circuito ao pormenor, eu, de capa preta em espécie de lã e cartola sem animais em uma rua parva de escura qualquer, à espera. Ansioso, a tremer. À espera de uma vítima, tem de ser fácil e fraca, ou só fácil, afinal vai ser a primeira. Humm, não sei se vou tomar coragem para estripar alguém. Nisto acaba sempre por passar o mesmo pálido esqueleto disfarçado de fidalga vestida de penas roxas. É a ideal para a minha primeira vez. Não tomei coragem, mas agarrei no verme e fiz-lhe um suave ( e excitante) corte na goela, silenciando-a. Levei-a para um abrigo fantástico e esquartejáva-a lentamente. Consegui mantê-la viva durante umas boas horas. Pode assistir ao seu próprio esventramento, a sortuda. Dei-lhe umas quantas facadas no ventre anorético que sangrava de contente. Tinha-a bem esmurrado, se não fosse fraco, ou se tivesse tomado coragem. (Eu gostava de ser calmo). Agora podia dizer que via o terror nos olhos da fina aquando do seu esfaqueamento, mas estaria a mentir. O que eu vi foi prazer, satisfação. Adorou ser morta. Pena que não possa repetir. Mas eu, eu cá posso...


Texto escrito e gentilmente cedido por Farinha Óssea, de Coimbra

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Possesso

Quando morrer estarei extinto. Uma árvore tombará em chamas, crepitando violentamente contra o final. Como sempre o fez, aliás. Sentirei um brusco e momentâneo estorvo, pouco mais. E agora apetece-me comer morangos, pedaços escarlates de morangos sem açúcar para sentir o ácido na boca e me arrepiar, e vou fazê-lo!
No corredor fechei os olhos, sentindo a luz a piscar frenética sem agradar. Não foi como eu esperava e isso chateia-me, não me deixam controlar a vida como pretendo e põem-me vírgulas, a mim!, que tenho aversão a parar e a espaços entre os momentos, que quero realizar o que quero até não querer! A raiva indefinida destas paredes está em mim. Se escrevo com ela é porque me mata não o fazer. Dadas as mãos, fingimos ser um, mas odiamos-nos. Com a inspiração vem a raiva, ou vice-versa, ainda não sei. E nesta confusão pergunto-me, que pessoa poderia eu estar a manipular com os olhos e os sorrisos, isso que é tão bom? A esconder-lhe algo, deixá-la na dúvida, para depois inevitavelmente nos confundirmos. A questão irrita-me, como me irrita todo o planear, que é o acto mais alheio à realidade que alguém pode ter. Aparecem-me estes tiros no cérebro de vez em quando, que me impulsionam a mudar, a cortar umas partes e a trair algumas coisas. Eu gosto, é belo e necessário trair-me a mim próprio porque a vontade é tudo o que tenho de verdadeiro e a acção de real. O resto, até as outras pessoas e os outros sentimentos (especialmente os outros sentimentos das outras pessoas), é menor. Sem egoísmo próprio seríamos meramente instrumentos do egoísmo dos outros.
Quem me dera não desejar, apenas agir. No entanto, no fundo do Homem está o sonho, e eu prometo para me sentir mal até o cumprir. E neste momento vou parar de escrever para deixar de não fazer nada, que já me sinto a derreter de ansiedade.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Como combater a solidão

Sorri constantemente.
Não faças apenas o que os outros dizem querer, pois eles mentem para te agradar. Faz também o que eles querem e escondem com olhares para o chão. Fá-lo com um sorriso de boneco. Abraça quem te censura, mas porque os adoras. Reprime os sonhos para teres tempo de ser mais outros e menos tu. Aceita o nada...
Sê físico.
Durante um passeio, abana amoreiras, carros e postes de rua para ver se ainda és forte. Logo que o veneno das ideias ataque, responde com um sprint. Exausta-te até não teres respiração criativa. Foge para o vazio...
Não te reconheças.
Faz a tabuada de cabeça até te esqueceres que não és uma calculadora. Ralha-te pelos desejos só teus, as pontas coloridas, mas não te ames pela tua igualdade, ama a igualdade de todos como todos a amam. Esmaga as pontas com a humilhação, mas faz isso sozinho se faz favor, não queremos cenas. Chora por teres um corpo aparte da multidão. Chora!
Mente.
Mente até teres de te afastar para veres que a mentira é maior que a tua vida. Até que dizer a verdade te deixe desconfortável contigo próprio. Até que os sentimentos e as suas chamas se substituam por palavras e gestos falsificados. As tuas pequenas traições entre mente e corpo do passado são agora sinal de que estás bem concentrado. Concentrado no errado.
Se tiver que ser, masturba-te.
Se fores assim tão fraco, e nós duvidamos que não o sejas, toca-te e imagina uma sombra do que te apetecer imaginar enquanto o fazes. Como descobrir esse limite? Assim que comeces a pensar que não está extremamente errado o que estás a fazer, pára e arrepende-te. Depois, convence-te que tiveste um breve delírio por não praticares as ordens sãs que te transmitimos aqui. Troca o orgasmo por uma profunda e imensa auto-repreensão.
Insere-te num grupo desinteressante.
Não te faças demasiado amigo, a quantidade do sentimento também é perigosa. Regula-o sempre até ao que não der nas vistas, ou menos ainda. Ri-te por qualquer coisa não completamente formal e séria que digam, e bate na mesa ao fazê-lo, para confirmares que realmente continuas forte! Diz apenas banalidades descartáveis. Não olhes nos olhos deles (é mais difícil viver assim e olhar nos olhos).

No final da peça não faças vénias: não és o actor, és a personagem! Esquece que aprendeste isto e lembra-te apenas: não és, são-te.
Todos te iremos aceitar. Todos nós.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Esquema

- As nuvens deslocam-se a uma velocidade incrível!! - Era o pensamento do dia de quinta feira. Estava à janela a fumar o seu cigarro do jejum, mal acordado. Enquanto olhava para o céu despreocupadamente. Os dedos amarelos do fumo, especialmente o índex, tremiam. Não de frio, não de medo. Já o fazia por obrigação, não lhe dava qualquer prazer ou mudança. Nem chegava a ser um hábito. Era pior. Ele era assim com tudo. Comia, por comer. Não saboreava e mastigava roboticamente, era um mecanismo, como tudo nele. Nada lhe sabia bem, por outro lado, também nada lhe sabia mal. Era uma espécie de vazio. Um vazio repleto. "As nuvens deslocam-se a uma velocidade incrível", era isto o seu quotidiano. Uma observação, uma piada, uma frase, coisas tais que repetia energética e animadamente. Como se fossem únicas, como se fossem suas. Os pequenos segundos em que pensava ou ouvia esta unicidade fascinante faziam dele uma pessoa. Ao invés de uma sombra.
Não se podia dizer que tinha amigos, embora falasse com toda a gente. Uma vez virou-se para mim e disse uma piada desinteressante que repetia às pessoas nesse dia. Riu-se a bandeiras despregadas. Eu ri-me com ele, por simpatia ou por desprezo. É parecido. Era homem para ter pena dele, se não tivesse mais em que pensar. Pena?! Ele parece sempre mais contente que eu...Anda sempre a dizer algo.
Mais tarde viria a encontrá-lo caído no chão. "Então?", perguntei talvez apenas com vinte por cento de preocupação verdadeira. "Morreram... Todos...Todos eles..." disse ele a sorrir tristemente. "Morreu quem?! Quem morreu?!" - que stress! "Todos os que mereciam...houve um que se riu". Foi assim que conheci um assassino..

Ele tinha o ar das pessoas felizes mas pouco aparafusadas. Aquele ar de quem não chama a atenção. Aquele ar de parvo. Contou-me que fora escolhido para matar treze pessoas. E que mataria sempre à sexta feira. Sofria muito no dia anterior à chacina. Mas sabia que era o correcto. Ele era regido por padrões implementados pelo jornal ou pela TV. Matava os maus das telenovelas, ou os malditos das revistas. Era assim que ele via o mundo, com as suas nuvens que se deslocavam a uma velocidade incrível. Era boa pessoa e parecia ser culto. Valentes desabafos que ele largou nessa quinta feira. "Eu sei que eles merecem, mas sabes, custa-me sempre matá-los como animais". "Não fui eu que fiz as regras" - lamentava. Soube que ele lamentava apenas porque lhe notei uma pequena lágrima a querer esvair-se do olho. Ele parecia sempre inalterável e era difícil perceber as suas emoções. Parecia frágil e perdido. No entanto falava sempre que alguém lhe falava. Não era o tipo tímido, definitivamente. Era só um pouco estranho. Como as famílias dos nossos amigos.
- Vamos comer um gelado? - perguntei. Saiu-me sem querer, juro!
- Pode ser...Não me costumam convidar para as coisas, agradeço.
A partir do gelado falámos apenas das coisas normais. Das coisas que se falam quando se come gelado.

No dia seguinte morri. Ele matou-me.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Teardrop - Massive Attack

O escuro predomina. Não é aquele escuro calmo. É um escuro medonho, aspirador, que parece que nos vai sugar pedaços de sanidade. A ansiedade consome-te, o teu coração, outrora relaxado, bate a velocidades por segundo. Tremes desaustinadamente. Vomitar. Algo não está bem, já deu para ver. Encolhido por causa da úlcera dilacerante e do frio dos 30 graus. É muito mais difícil falar do que pensar. Tremes. O teu raciocínio é um vórtice de horrores, todo e qualquer pensamento é canalizado para um fundo negro e não muito confortável. Vomitar. Os objectos outrora expostos de forma lógica e de bem para o olho nu parecem agora mal encarados e disformes. Tremes. E tu que não consegues fazer mal a ninguém. Tens várias vezes medo de morrer. Vomitar. Não pode ser a falar que a gente se entende, eu não consigo falar! É demasiado fácil pensar. Pensas muito, muito. Tremes. O nervoso mata-te, pior, destrói-te. “ Todo o dia em casa e não sais daí”. Vomitar. O tempo perde o sentido, é inútil. Todos os teus resquícios de alma estão alterados. Estômago, cérebro, coração. Estão todos a trabalhar a uma rapidez irada. Alguém subiu o nível e isto está fora de controlo. Vomitar. Bebes chá. O chá ajuda, mas não é mais forte que tu. Tremes. Estás nervoso. Nervoso ao ponto de roeres carne na vez de unha. Vomitar. As paredes tendem a aproximar-se a cambalear. O tecto, esse, nem é bom olhar. Um besouro gigante diz-te para teres calma. Os besouros sempre foram cabrões. Tremes. Vomitar.


Teardrop - Massive Attack

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Festas de São Pedro

Todos os narizes me cansam. Nascem de bocados de ar na cabeça. Passeio por aí e as testas femininas só me lembram portões baixos: servem apenas para impressionar, qualquer um passa por eles. Os olhos, todos os olhos me cansam. Deviam ser pedras sensuais, distinguem-se dos das bonecas pelo brilho, mas os que vejo pelas festas vêm da calçada que piso. Tu atiras
- Vamos ali aos carrinhos de choque
mas eu quero ir com alguém feito com menos pressa. Um cabelo feito à mão, cada fio com a curva para onde tombava o capricho e não todos a seguir os das outras pessoas. Uma cara que me toque, porque isso adormece-me (olha, um choque sem carrinho). Mais sinceridade nessa aparência toda, e para ti. Um bocado dela faz logo efeito na ponta dos sorrisos. Eu também normalmente em vez de sorrir, olho, em vez de tocar, imagino, em vez de falar, escrevo, até em vez de amar, penso. Assim ninguém sabe nada sobre mim, não tem nenhum lugar doloroso por onde pegar. Um bocado ridículo. “Um dia, depois de não-sei-quê, alguém passa a existir”, penso nesses sítios cheios de barulho e de luzes, mas tenho de a ajudar mais. Pelo menos para não me aborrecer e acabar por mirrar numa dessas estranhas criaturas que habita as festas de São Pedro.

domingo, 15 de junho de 2008

Jamais O Amanhã

O facto de relacionar as acções andantes com as características flutuantes

Que nos ocorrem inesperadamente e desesperadamente

Sem qualquer papagaio voador, sem sentimento nem pudor.

Que corrói as paredes do corpo, ficando sublime

A espera de quem o anime

E o faça levantar por obra de sua mão e de seu coração.

É a força amorosa de quem o sente

De quem espera e alcança

O flutuar da mente,

E do corpo.

Indeterminadamente, reaparece o que se jamais sentira.

Enquanto se espera no fundo sem luz

Em que já não se produz

O facto de gemer.

Gemer por amor, por dor

Ódio ou felicidade, que jamais permite idade

Se não sentir o calor de alguém.

Provocador e devastador

Radiante e penetrante, que rompe o que quer que seja

Deixando o ser respeitante,

Fogoso e desejoso,

Querendo que jamais comece o amanhã.



Texto escrito e gentilmente cedido por Fabiana

sexta-feira, 13 de junho de 2008

A Moca Tem Espinhos

Vivendo na rua da amargura
O Sol não brilha
É como se estivesse revestido por uma armadura
E única réstia de esperança são os activismos sociais
Inexistentes, ineficazes, casmurros e estúpidos


A moca dos chefes tem espinhos
Destinados a ferir aqueles como nós
Cobertos por uma manta de minimalismos
No fundo não passamos de uns grandes cócós


Vive-se vivendo, talvez sonhando
Sem grande esperança de alguma vez mudar
Apenas as suas grandes desilusões comportando
Sentindo-se em ostentações nadar
Broncos, idiotas, desistentes e derrotados


A divina providencia hierárquica
Agressora como as ondas do mar
Provocando ondas de incerteza inequívoca
Com contentes descontentamentos impossíveis de respeitar
Infelizes, tristes, deprimidos e suicidas


Moca espinhosa
Sugas sonhos e projectos
Metes nojo por ser tão ranhosa
Ostentas poder e malícia nesses olhos pretos


Almas arrasadas e devastadas
Com cordas e cordames amarradas
Lágrimas de penúria engarrafadas
Ejaculações esterilizadas




Poema escrito e gentilmente cedido por Carlos Ferraz (o Grande)

segunda-feira, 12 de maio de 2008

UFO

Restos de ecos sub nutridos embargam na sua mais infinita viagem para o mais perto e fácil dos destinos. De tão desprezíveis que são, esquecem-se de si mesmos á entrada de uma saída de emergência bem engalfinhada num disfarce qualquer. São falsos silogismos baseados em ideias baças, ocas, felizes. São para serem guardados cá dentro, bem fora de nós. Passam do quente, húmido, fedorento ou de bem para o olfacto, do inquieto antro vertiginoso para a mais sossegada cavidade humana. Calma e inócua. Onde não há escapatória. É nessa brusca e transparentemente ofuscante transição que se perdem. Dificultam-se. De poder metamórfico incrível moldam-se tal e qual a nossa imaginação. São cartas sem remetente e muitas vezes de autor desconhecido, que são escritas por plasticina cerebral em fase dormente. Neuroticamente entorpecido, o crânio, onde a raiva grita vivas e todas as interrogações exclamam de inércia.Aí eles sossegam. No limbo.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Momento

(…)

.Parei.

Os meus olhos abertos espelhavam uma imagem que me tocou. Vi um pobre homem manco, com dois ou três trapos vestidos, barbas mal aparadas e uns sacos de plástico na mão direita. O sol estava prestes a desaparecer o que enfatizava aquela "fotografia" que vi. Este ser, estava parado, parado como quem não sonha. Fitou-me. Desse olhar, não me esqueci. Um olhar que disparava mil e um sentimentos que trepavam sobre mim encurralando-me. Vi nesse olhar uma bomba prestes a explodir e ao mesmo tempo uma paz contagiante. Vi lágrimas prestes a escorrer e uma luz que iluminava aquele momento. Vi um pobre diabo que se esconde atrás da máscara. Vi um grande vazio mal aproveitado. Vi o degredo.
Não vi o medo de morrer nem o gosto de viver.
Não vi sonhos nem esperanças
Vi a dor que nunca senti.


.continuei.



terça-feira, 11 de março de 2008

Vieram os 3 e analisaram o palhaço

"Seus trajes pouco normais lembram o comum. Nariz vermelho ou arroxeado da cirrose e uma palidez cadavérica. Maquilhagem de prostituta barata em fase decadente, e pés tão grandes que mal se consegue mover. Tão engraçado. Molha-me por completo enquanto guincha, de pronuncia rude e aguda. Na maioria das vezes cai propositadamente, e aleija-se! Continua bastante alegre a molhar-me. Ás vezes insulta gente. Provoca riso. Não tem, de facto, jeito para nada. Talvez seja esse o jeito dele. Ainda assim, não parece. Já ninguém lhe dá atenção, ainda tenta clamá-la com habilidades inúteis e sabotadas."
por "Alguém"



"Talvez do menos transparente que já vi. É mesmo falso. Incomoda mesmo é a forma como comunica, tão remanescente á infantilidade...que desejo ou possuo. É talvez com inveja que forço um sorriso. Inveja da maneira verosímil como falsifica uma felicidade. Torna-a indubitavelmente autêntica. É como ele que sonho ser. Pelo menos agora, neste momento. Já fui assim, em tempos...não, eu ainda sou assim. Restos de mim são, disso tenho a certeza. Sou verdadeiro, sou infeliz."
por "Outrém"




"É com agrado que observo os seus movimentos. É interessante a maneira como abraça o desconhecido. Claro que nunca o faria! Ainda assim acho louvável. Entretém tão bem o sr. Irracional. E ele que precisa tanto, já não é o que era.
Tudo o que o Pézudo faz parece estar inconsequentemente certo. Talvez pálido, mas correcto. Tão hábil e trapalhão. Que plateia enorme para o ver, eu quero ficar na primeira fila! Até logo.."
por "Uma Pessoa"

terça-feira, 4 de março de 2008

As palavras

Palavras... De nada valem, para nada servem e nada dizem.
Não passam de meros vocábulos, interligados e pronunciados friamente pela maioria das pessoas.
As palavras são comandadas pela cabeça e pelo pensamento. Ninguém fala com o coração.
São cépticas, passageiras e vazias.
Eu falo, tu falas. Todos falamos... Mas ninguém diz o que pensa, o que quer ou o que pode. Estamos calados.
Tu olhas, eu olho. Sei perfeitamente o que estás a dizer, estás em silêncio, neste momento as palavras de nada servem. Observo e interpreto. Sim, não tenho certezas. Mas basta-me. Afinal, ninguém vive só de coisas concretas.
Falar é bom! O diálogo é importante, sim. Mas o silêncio é perfeito. Tem todas as respostas e tudo o que precisas e procuras.
Não esperes pelo que queres ouvir, pois esse dia nunca chegará. Observa, em silêncio. Escuta-te a ti mesmo. Não fales. Consegues sentir?
O silêncio grita, as palavras calam.

Texto escrito pela Telma e está bastante bom, não acham?

Fica sempre tanto por te dizer (a ninguém em especial)

Deve-te parecer tudo porcelana sem nada lá dentro, sem ti, sem flores e sem risos, nem sequer mistérios, apenas umas formas cor de porcelana por pintar que te vão mostrando que o tempo passa. Passa aos tropeções por esses brancos sólidos e até agradeces vagamente, nem sequer moves os olhos da tua mente pasmada num entorpecimento oco, tal é a tua determinação em que fique tudo como sempre te foi. E como podes tomar consciência que podes acordar se no final dos teus sonhos voltas a adormecer? Lês e entendes aqui que és o único que se importa com a tua vida, e assim deixas de estar paralisado nesse equilíbrio de forças ridículas e inócuas que é o narcisismo e a humilhação. É que se ao menos olhasses para o monte de cacos que deixaste para trás, se soubesses o que eles suportaram delicadamente para ti, se desejar não fosse tão inútil e tu realmente o soubesses em vez de apenas o desejares, talvez aí tentar não seria tão difícil nem viver seria tão estranho. Deixarias de ser uma porcelana sem nada lá dentro, sem ti, sem flores e sem risos, nem sequer mistérios, apenas cobardia.

Texto feito há algum tempo mas ainda gosto dele

A minha relação com Deus

Era uma vez Deus todo-poderoso, benevolente, omnisciente e omnipresente. Foi recordado para a posteridade como um ambiente diferente que apareceu e desapareceu, uma mudança no ar e nos sentimentos das pessoas, na cor e no futuro, que nunca mais voltou, em parte por culpa de nunca ter vindo. Quem me disse isso foi a parte lógica de mim mesmo, ao reparar que se tal existisse não haveria sofrimento.

Fiquei sozinho então, a história passou a ser sobre mim e não Deus, sugeriram-me uma ilusão e recusei-a, arrogante como os outros. Sozinho observo o silêncio e sozinho com a ajuda da lógica mas sem os misticismos da ilusão tentei descobrir o que havia para descobrir. Descobri-me a mim, imperfeito, limitado, tão diferente de Deus, cego. Não consigo ver, não sei o que há para além de mim e não desenvolvo amores platónicos nem sou homem de preconceitos, sou agnóstico. A minha relação com Deus é condicionada pela verdade, que é quase tão desesperante e sufocante como a ilusão. Resto-me a mim para me governar, com os meus sentimentos e impulsos, inimigos e o acaso, neste mundo normal, nesta história que não acaba depois de Deus e que não sei se acaba depois de mim.

Texto feito numa aula de Português de Décimo Ano.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Querido diário

Lá fora chove. "Este é o melhor tempo das vossas vidas", lembro-me, descrente, do que dizem da adolescência. O meu despertador acorda-me mais cedo que a qualquer pessoa da casa, mais cedo do que o limiar da violência, e como efeito secundário chateia os meus pais. Efeito "secundário"? Ele sobrecarrega a vida como os outros. Por acordar esbofeteado, olho irritadamente e sem ar para o vazio à minha frente... Todo porco, dirijo-me para a casa de banho, colada ao quarto para minimizar o tempo inútil. Desperdiçar tempo é dos meus poucos prazeres hoje em dia, e quase nunca tenho tempo para isso. Todos dependem de mim para irmos trabalhar rapidamente. Em quatro segundos passo do quarto para o corredor e depois para a casa de banho, onde ligo a luz. Escuro, claro, escuro, claro. Quase com epilepsia, dispo-me e ponho a água a correr para apressar e desperdiçar recursos, como não devíamos, mas não me chateiem com moralidades a esta hora. De pés frios levo com água quente no corpo e, passados uns segundos depois do choque inicial doloroso, chego finalmente ao pequeno prazer da manhã. Preso naquele cubículo, sinto-me como uma pequena chama dentro dum iglu no Pólo Norte. Durante este ganhar de lucidez vou-me lembrando que não gosto nada disto tudo, vou pensando "porra tenho azar", vou acendendo todas as esperanças e rancores que vão durar o resto do dia. É péssimo. De banho tomado à pressa, saio a apanhar frio e a sentir-me acordado, e como estou mais consciente sinto-me mais porco. Pergunto-me como hei-de melhorar esta vida, enquanto a minha mãe vai fazendo o mesmo ritual que eu, um pouco mais à sua maneira. E eles? Devem pensar que não podem fazer quase nada, e quase nada é o que fazem todos os dias... São estes rasgos de esperança rotineiros e sem sentido que nos fazem mais uns idiotas constantes que por aqui vivem. Vestido com um pouco de cuidado para tentar agradar um pouco a alguém, passo pelos objectos entediantes, que desde o primeiro mês de existência que já merecem ter bolor, já deviam ter sofrido neuroses em massa, morrido e renascido. Sei que tenho que ir para a cozinha, onde por alguma lógica masoquista tento satisfazer o sono com uma tigela de cereais. Penso outra vez nos meus problemas, principalmente os amorosos, e como não há nada para pensar ponho-me só a mastiga-los juntamente com os cereais. Oiço no esquentador que a minha mãe está a tomar banho e penso nos meus pais, que têm uma vida igual à minha com a excepção de que já perderam a esperança. Fico sempre cheio de ansiedade quando estou a comer, não sei porquê. Quando escapo ao pequeno almoço vou lavar os dentes, altura em que olho para mim no espelho e apenas ele reflecte. Estou demasiado cansado para mais. A minha mãe já sai, e sobram-me dez belos minutos antes que o meu pai se despache para me levar. Vem-me à cabeça que ela vai tomar a ansiedade primeiro que o meu pai, sem o chegar a ver até à noite. Dez minutos depois ele vai ao mesmo sítio fazer o mesmo. Esforço a preguiça ao responder ao "txau" dela, com medo que fique magoada, mas isso realmente não adianta muito. O tempo passa e quase adormeço antes de ser arrepiado por um enervante "Bora!" do meu pai. Deixo sempre a mala para o fim, de propósito. Ainda não a fiz quando ele apita lá de fora e me põe nervoso. Abro a porta de casa para um horizonte cinzento e matinal à minha frente, que parece esconder um exército aterrador. Olho para o meu pai fechado no carro, parece estar a tentar dizer algo com muita urgência, "Este é o melhor tempo das vossas vidas" lembro-me, e logo depois de abrir a porta do carro entro em pânico.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Desde puto que sonho com a morte. Ainda novo, pensei seriamente como seria no fim de tudo... Como será, de facto?

Teremos nós direito a um local para vivermos o pós-vida? Se assim for, eu não quero. Fechem-me numa caixa ou assim, e limitem-se a ignorar-me toda a eternidade. A vida já é suficientemente aborrecida... é complicado encontrar finalmente alguém novo que acrescente algo.

Disponho-me a esperar, e penso nisto mais uma vez. A dor de cabeça vai aumentando, triste finalidade de tempo perdido. Não interessa. Ainda falta.

Alguém dizia que pensar é mau... não imagino os meus dias sem o tapa-buracos aka raciocínio. Terão as pedras uma vida menos frustrante?

Como o verdadeiro caçador de Emos que me considero, palavras melodramáticas são carvão no fogo de raiva. É-vos demasiado fácil lamuriarem-se; a dor fingida que discutem é uma máscara grotesca de um interior vazio.

Dêm-me desafios, e não recompensas. Ideias, e não obras. Mas por favor, não me encham com as vossas vidas. Não vos mereço, e vós não me merecem. Não me empurrem! Eu vou sozinho. Acaso encontraram a resposta para a apatia? Busquem-na, mas largem-me. Não preciso de indicações. Sou sozinho, não infeliz.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Penso rápido

Não penses. Pensar entorpece o impulso. O racional está a destruir-me, aposto que se passa o mesmo contigo. Pensar é a forma permitida de invocar demónios. Pensar é a forma estratégica de esconder sentimentos. Pensar é uma desculpa. O pensamento, esse pensamento, canalizador de diálogos. O que impede que o sangue corra. O que impede a velocidade. Não nos permite evoluir, não nos permite retroceder. Enforca-nos no limbo que pensamos ser a saída ou a conclusão. Mas não passa de um triste e insersível estado de melancolia. Sou feliz a pensar? És feliz a pensar? Gostas demasiado de ti para deixares de pensar. Não vives sem ti. Não pensas sem ti. Refugias a tristeza de teres a sorte azarada de pensar num vício ou escape. A melhor forma de seres tu. Tu não és o que pensas. Eu, pelo menos, não sou.

Procura, Evolui, Volta Atrás

È considerado hoje em dia que a época longínqua designada de “Descobrimentos” é uma fase da humanidade já passada. Pois eu considero que não, pura e simplesmente os oceanos são outros, ora vejamos, hoje em dia existe exploração em qualquer temática social, seja ela política, informática, medicina, astronomia, uma quantidade infindável de possibilidades levam o ser humano a querer chegar cada vez mais longe. Mas vejamos bem as coisas, cada descoberta feita abre-nos caminho para milhões de possíveis novas descobertas, e é ao pensar nisto que chego à conclusão de que nada sabemos, tantas questões para as quais gostaríamos de ter respostas certas, dados conclusivos que nos permitissem compreender o universo em que vivemos. È possível então concluir que a máxima do “Só sei que nada sei.” É cada vez mais actual.

Olhando para trás para as civilizações já perdidas ficamos com a sensação de que se tivessem perdurado até aos dias de hoje o mundo seria um local tão mais perfeito e avançado, por exemplo, os árabes aproximadamente em 6000 a.C descobriram o 0, a descoberta deste número, que hoje em dia parecerá uma coisa minimalista e sem grande importância mudou, sem sombra de dúvida a história da matemática, outro exemplo, os Incas na altura dos “Descobrimentos” já conheciam a circulação sanguínea e tinham uma medicina muito mais avançada que os europeus. Que será que se passa connosco? Porque não conseguimos nós ter a genialidade que os povos de outrora possuíram? È uma questão pessoal para a qual cada um terá que procura a sua própria resposta.



(texto escrito e gentilmente cedido por Carlos Ferraz, o Grande)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Verdade

Enquanto caminhava pela rua da Igreja vi os doidos com os seus coletes de forças a serem empurrados magicamente até à grande parede branca. Vi os doidos a pensarem ter visto cores, desviei a cara porque os doidos me entristecem. Vejo-os desde sempre, a contagiar loucura enquanto esfregam as suas feridas abertas em corpos diferentes, com alegria, de propósito. Parece-me que são resistentes a todos os observadores, protegidos pela pedra sagrada à prova de falas. Perguntei-me sempre se, logo depois de levar com o peso de cada um dos seus murmúrios, desabaria. Quer dizer, quão desesperado está um ser humano que vai tentar o poder da parede mais próxima? Uma parede imponente, inocente e indiferente... uma normal parede.
E eu não sabia que os doidos rosnam até ter pedido sanidade a um deles. Rosnam, cospem-me, mentem-se, sorriem, às vezes só tentam ser sãos, entristecem-me. Não é que eu também não seja doido, não é que alguém o seja sem esse direito, mas porque é que esses iguais (para mim são iguais), nos seus rodopios delirantes em que a parede se torna um omnipresente muro branco, não param, não se viram para mim e me pedem ajuda? Com toda a minha arrogância eu ajudo, mas ajudo.
 
Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 2.5 Portugal License.