domingo, 28 de dezembro de 2008

Chatterton

Ás vezes sonho estripar alguém. Sonho. Não me aborrece nada o facto de degolar e esventrar seres humanos, pelo menos uma vez. Velho inúteis ou gente importante, sei lá, alguém. O sangue é bonito, é um facto. O sangue é vivo, é por isso. Imagino bem o circuito ao pormenor, eu, de capa preta em espécie de lã e cartola sem animais em uma rua parva de escura qualquer, à espera. Ansioso, a tremer. À espera de uma vítima, tem de ser fácil e fraca, ou só fácil, afinal vai ser a primeira. Humm, não sei se vou tomar coragem para estripar alguém. Nisto acaba sempre por passar o mesmo pálido esqueleto disfarçado de fidalga vestida de penas roxas. É a ideal para a minha primeira vez. Não tomei coragem, mas agarrei no verme e fiz-lhe um suave ( e excitante) corte na goela, silenciando-a. Levei-a para um abrigo fantástico e esquartejáva-a lentamente. Consegui mantê-la viva durante umas boas horas. Pode assistir ao seu próprio esventramento, a sortuda. Dei-lhe umas quantas facadas no ventre anorético que sangrava de contente. Tinha-a bem esmurrado, se não fosse fraco, ou se tivesse tomado coragem. (Eu gostava de ser calmo). Agora podia dizer que via o terror nos olhos da fina aquando do seu esfaqueamento, mas estaria a mentir. O que eu vi foi prazer, satisfação. Adorou ser morta. Pena que não possa repetir. Mas eu, eu cá posso...


Texto escrito e gentilmente cedido por Farinha Óssea, de Coimbra

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Possesso

Quando morrer estarei extinto. Uma árvore tombará em chamas, crepitando violentamente contra o final. Como sempre o fez, aliás. Sentirei um brusco e momentâneo estorvo, pouco mais. E agora apetece-me comer morangos, pedaços escarlates de morangos sem açúcar para sentir o ácido na boca e me arrepiar, e vou fazê-lo!
No corredor fechei os olhos, sentindo a luz a piscar frenética sem agradar. Não foi como eu esperava e isso chateia-me, não me deixam controlar a vida como pretendo e põem-me vírgulas, a mim!, que tenho aversão a parar e a espaços entre os momentos, que quero realizar o que quero até não querer! A raiva indefinida destas paredes está em mim. Se escrevo com ela é porque me mata não o fazer. Dadas as mãos, fingimos ser um, mas odiamos-nos. Com a inspiração vem a raiva, ou vice-versa, ainda não sei. E nesta confusão pergunto-me, que pessoa poderia eu estar a manipular com os olhos e os sorrisos, isso que é tão bom? A esconder-lhe algo, deixá-la na dúvida, para depois inevitavelmente nos confundirmos. A questão irrita-me, como me irrita todo o planear, que é o acto mais alheio à realidade que alguém pode ter. Aparecem-me estes tiros no cérebro de vez em quando, que me impulsionam a mudar, a cortar umas partes e a trair algumas coisas. Eu gosto, é belo e necessário trair-me a mim próprio porque a vontade é tudo o que tenho de verdadeiro e a acção de real. O resto, até as outras pessoas e os outros sentimentos (especialmente os outros sentimentos das outras pessoas), é menor. Sem egoísmo próprio seríamos meramente instrumentos do egoísmo dos outros.
Quem me dera não desejar, apenas agir. No entanto, no fundo do Homem está o sonho, e eu prometo para me sentir mal até o cumprir. E neste momento vou parar de escrever para deixar de não fazer nada, que já me sinto a derreter de ansiedade.
 
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