segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Possesso

Quando morrer estarei extinto. Uma árvore tombará em chamas, crepitando violentamente contra o final. Como sempre o fez, aliás. Sentirei um brusco e momentâneo estorvo, pouco mais. E agora apetece-me comer morangos, pedaços escarlates de morangos sem açúcar para sentir o ácido na boca e me arrepiar, e vou fazê-lo!
No corredor fechei os olhos, sentindo a luz a piscar frenética sem agradar. Não foi como eu esperava e isso chateia-me, não me deixam controlar a vida como pretendo e põem-me vírgulas, a mim!, que tenho aversão a parar e a espaços entre os momentos, que quero realizar o que quero até não querer! A raiva indefinida destas paredes está em mim. Se escrevo com ela é porque me mata não o fazer. Dadas as mãos, fingimos ser um, mas odiamos-nos. Com a inspiração vem a raiva, ou vice-versa, ainda não sei. E nesta confusão pergunto-me, que pessoa poderia eu estar a manipular com os olhos e os sorrisos, isso que é tão bom? A esconder-lhe algo, deixá-la na dúvida, para depois inevitavelmente nos confundirmos. A questão irrita-me, como me irrita todo o planear, que é o acto mais alheio à realidade que alguém pode ter. Aparecem-me estes tiros no cérebro de vez em quando, que me impulsionam a mudar, a cortar umas partes e a trair algumas coisas. Eu gosto, é belo e necessário trair-me a mim próprio porque a vontade é tudo o que tenho de verdadeiro e a acção de real. O resto, até as outras pessoas e os outros sentimentos (especialmente os outros sentimentos das outras pessoas), é menor. Sem egoísmo próprio seríamos meramente instrumentos do egoísmo dos outros.
Quem me dera não desejar, apenas agir. No entanto, no fundo do Homem está o sonho, e eu prometo para me sentir mal até o cumprir. E neste momento vou parar de escrever para deixar de não fazer nada, que já me sinto a derreter de ansiedade.

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