sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Livre escravidão opcional

Acorda. Na verdade, já estava acordado havia algum tempo. Não dormiu. No entanto, fingia inconscientemente acordar depois de uma bela noite de sono tranquilo. Dirige-se à casa de banho na sua felicidade fúnebre. Adorava dar a ideia que era feliz. Fazia-o bem, de facto. Moroso liga a torneira fazendo-a cuspir jactos de água castanha já habituada aos canos. Contente por controlar um dos quatro elementos, faz com que o líquido ferva. Enevoando assim, o cubículo. Agora sim, pode olhar-se ao espelho. Vê o seu reflexo estropiado, tal como gosta. Parece perfeito. Sorri. Vê o que ele imagina serem os seus dentes aparecerem no sítio que parece ser a sua boca. Disforme, mas óptimo. Sai. Veste-se.

Já fora de casa depara-se com uma clareza agoniante. Mais uma vez, disfarça alegria. Mas o sol designativo de Verão entorpece-lhe o pensamento. O céu está mais azul que nunca. E ele, ele está a ver perfeitamente. Numa inopina ideia, sente-se tentado a dirigir-se para a zona industrial, onde escombro o ajudaria. Mas para quê? Para tomar consciência que ainda sabia o caminho? Iria ouvir pessoas até lá. Iria ouvir as conversas que detestava e os sons insersíveis. Deixou-se estar. Podia voltar para casa, mas o espelho não iria ficar para sempre embaciado e o poder do sono não o iria derrotar tampouco. Estava na atura de se resignar. Assim o faria.

Acorda. Dormiu que nem uma rocha, sereno, desinquietado, preso a uma nova concepção de liberdade. Espera-o mais um dia sem fumo ou nevoeiro.

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